quinta-feira, 9 de maio de 2013

EM BUSCA DA ANÁLISE FUNDAMENTAL: (O LEITOR) ENTRE O MÉTODO CIENTÍFICO EM CIÊNCIAS SOCIAIS E O OBJETO DE ARTE SOB O OLHAR DA CRÍTICA LITERÁRIA.

Porém, a nova década trouxe o vento forte das mudanças  e o pensamento revolucionário foi tomado por uma reviravolta. (Dias, Andre. Dostoievski, um dissonante)



Recolho, aos poucos, breves notas de leitura, dispersos apontamentos críticos, análises preliminares de fichamentos, num esforço hercúleo, como quem realiza um de seus últimos trabalhos. E assim, posso constatar que a literatura é o meu subterrâneo. Começo a pensar na adoção da crítica literária como “O Grande Inquisidor”, expurgando e vivificando meus demônios.

E é claro que, entre outros tantos, Dostoievsky tem aí um lugar notável. Primeiramente porque, mesmo sem saber ainda ler russo, introduzi-me na leitura dos grandes clássicos da literatura universal (geralmente ocidentais) pela obra Crime e Castigo, em tradução – o que não é o centro deste post – mas que foi lida antes mesmo de adentrar o curso superior em Letras Vernáculas que começaria a cursar nos idos de 2005.

Ao lado de João Artur, que paripasso realizava a leitura de Anna Karenina, enquanto estudávamos na Biblioteca Municipal de Feira de Santana para posterior aprovação no vestibular da UEFS. Lembro-me de chegar ao fim daquelas centúrias de páginas, e sentir a permanência daquelas sensações psicológicas despertadas por Raskólnikov, Sônia e a velha. Continuo pensando naquele romance como um divisor de águas em minha vida de leitor. 

Sete anos depois reencontro-me com o Dostoievsky, numa leitura mais detida,  mas desta vez, no começo de 2012, em janeiro,  quando fiz uma primeira leitura, de Notas do subsolo(2009) na tradução original do russo – Zapsíki iz pódpolia – de Ruth Guimarães, numa edição barata, da Ediouro.


Hoje em dia, dotado de alguns novos instrumentais que me possibilitam adentrar ou, ao menos, observar o universo criativo da obra de arte, percebo que caminhos tomam possíveis leituras que se espalham por aí a fora. Entre algumas interpretações “possíveis”, sobre o romance russo,  me deparei com a de André Dias, que realiza uma leitura curiosamente sociológica e política, que encontrei enquanto pesquisava sobre a obra; é o olhar de André Dias que revela que “A atitude do escritor acabou por transforma-lo numa voz inconveniente, desagradável e dissonante como seu personagem que habitava o subsolo.”

O autor é apresentado como um “intelectual impertinente” levando em conta sua trajetória, “sobretudo quando olhada com o devido distanciamento histórico”, a obra  literária do romancista aponta para que “Dostoievski, com seu homem do subsolo, teve coragem de denunciar o perigo da aceitação irrestrita do determinismo racional, que inevitavelmente, conduziria os indivíduos a um vazio moral.”

É bem verdade que a novela foi pouco e, em geral, mal lida na ocasião do seu lançamento, mas não podemos desprezar o seu teor explosivo, quando lida na perspectiva de uma resposta as proposições do ativista radical. Alias, o próprio fato de a narrativa ter recebido pouca atenção na época de sua publicação e uma prova evidente de que aqueles eram tempos de polarização. Afinal de contas, em meio às agitações revolucionárias, qual o sentido de se dedicar atenção para uma narrativa cuja personagem principal era um homem sem brilho e medíocre? A primeira vista, poderia parecer que, com o lançamento de Memórias do Subsolo, o romancista fazia uma confissão de sua alienação e desinteresse pela causa revolucionaria. Pela causa revolucionaria radical ate poderia ser, mas pela situação periclitante de seu país, seguramente não. (DIAS; 2010 : 307)

Dostoiévski (1821 – 1881) poderia ter vivido por todo o século XX, que mesmo assim estaria tão próximo de nós como está, de lá, do seu século XIX. Não apenas pelo trânsito histórico que possui sua obra mas, pela carga estética e criadora que arrasta ao longo dos séculos. O texto em questão é o romance, Notas do subsolo, datado originalmente de 1864, que apresenta a consciência do homem-subterrâneo um homem esmagado entre os descaminhos da sua sociedade e imensidão de sua consciência crítica da sociedade e da condição humana.
“Já o homem do subsolo se apresenta aos leitores como um indivíduo “doente, mau e desagradável”, como de fato podemos verificar ao longo da narrativa. A contradição marca toda a trajetória dessa personagem que nos faz caminhar pelas trilhas inseguras do seu mundo ora assustador, ora lamentável, ora lúcido, ora absolutamente desequilibrado.” (DIAS; 2010 : 307)

Uma leitura crítica permite a entrevê em trechos da narrativa momentos como esse

“Como efeito, verificava sempre em mim a presença de um grande número de elementos diversos que se opunham violentamente. Sentia-me fervilharem em mim. Por assim dizer.Sabia que estavam presentes sempre e aspiravam a manifestar-se do lado de fora, mas eu não os deixava; não, não lhes permitia evadirem-se. Atormentavam-me até à vergonha, até as convulsões.Oh! como eu estava fatigado! Como estava saturado!”( p.13)

Era esse o estado do nosso narrador logo no início do romance, percebe-se uma condição não só deplorável, mas em degradação ética e a impossibilidade moral de estabelecer alguma realização ideal na sua existência. Sua aparente alusão futura, denotando uma das possíveis inspirações de Kafka para a  construção de Gregor Samsa , na confissão de que “Declaro-vos solenemente : um grande número de vezes já tentei tornar-me um inseto; mas não fui julgado digno disso.”(p.14)

A sua descrição do homem do século XIX denota claramente o sintoma que mais lhe acomete, a questão da moral... “Jamais consegui nada, nem mesmo me tornar malvado; não consegui ser belo, nem mau, nem canalha, nem herói, nem mesmo um inseto. E agora, termino a existência no meu cantinho, onde tento piedosamente me consolar, aliás sem sucesso, dizendo-me que um homem inteligente não consegue nunca se tornar alguma coisa, e que só o imbecil triunfa.Sim, meus senhores, o homem do século XIX tem o dever de ser essencialmente destituído de caráter; está moralmente obrigado a isso. O homem que possui caráter, o homem de ação, é um ser essencialmente medíocre.Tal é a convicção de meus quarenta anos de existência”(p.13)


Numa crítica ao sentimentalismo do idealismo francês de Rousseau e do Romantismo Alemão nos diz: apostava numa consciência, a partir da qual afirmava que “Uma consciência clarividente demais, asseguro-vos, senhores, é uma doença, uma doença muito real.” E assevera dois parágrafos a frente: “Entretanto – estou firmemente convencido - , a consciência , toda consciência é uma enfermidade.”

E essa dimensão de uma “consciência” produz a distinção entre o homem de ação e  os homens que pensam que são ainda distintos do homem simples, mas estúpido. Esse humanismo crítico e de uma esperança desesperada que rege a consciência do escritor e seu narrador numa espécie de “mistura abominável e gelada de desespero e esperança, é precisamente esse sepultamento voluntário, e essa existência de emparedado vivo, essa ausência, claramente percebida, mas sempre duvidosa, de toda solução é esse vínculo de desejos insatisfeitos e enfurnados, de decisões febris tomadas para a eternidade mas imediatamente seguidas de remorso, é isso precisamente o que segrega essa volúpia estranha de que falava antes.”(p.21)Segundo Dias “o romancista utilizou seu discurso literário para se contrapor aos discursos políticos totalitários”.

O homem do subsolo que tanta aversão causava com suas ações, pode ser visto como o anti-herói. Sua persona biliosa e até certo ponto perversa em nada lembra a estatura de um herói. Ele era cruel consigo mesmo e com aqueles que atravessassem seu caminho, era manipulador e torturava cruelmente aqueles com quem se relacionava. (DIAS; 2010 : 308)


O escritor, deliberadamente, escolheu se colocar em rota de colisão com o pensamento da intelligentsia radical da geração de sessenta. E importante que se diga que adotar tal posição, no caso do romancista, não tinha nenhuma relação com a ideia de um possível apoio ao regime czarista. Mais do que se posicionar ao lado de um grupo ou de outro, o escritor soube como poucos discernir o espírito de seu tempo. Só que essa capacidade de traduzir as contradições, quase sempre, vem acompanhada de um custo bastante elevado. Imaginemos a situação do intelectual que rejeitava o atraso da sociedade russa, mas via também a adesão indiscriminada a uma mentalidade ocidentalizante e capitalista com muitas reservas. Seguramente não era a mais confortável. Mais sério ainda, em um momento em que boa parte da intelligentsia se deixava seduzir pelo apelo da razão revolucionária armamentista não cerrar fileiras com o movimento seria um pecado imperdoável. (DIAS; 2010 : 306)

O autor em suas própias palavras nos diz sua posição sobre esse “pecado imperdoável”, diante deste “crime” Dostoievsky pergunta ao leitor “Mas não vos parece, senhores, que eu me arrependo e que vos peço perdão de não sei que crime? Estou certo senhores, de que ides imaginar isso... Mas aliás, digo-vos que, quer vós o imagineis ou não, isso me é indiferente”



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