domingo, 2 de março de 2014

Jenner Augusto (1924-2003) onze anos sem o sergibaiano.




Sem jeito para escrever o que deveria e da maneira necessária, o que farei aqui logo em breve, registro, aqui o aniversário de 11 anos do passamento deste artista plástico que merece dos contemporâneos um novo olhar para sua agência modernizadora nas artes visuais brasileiras no século XX. Assim esse sergipano de Aracaju, nascido ainda nos anos de 1924, que encontrou seu auge artístico nos temas e motivos que lhe legou a Bahia a partir dos anos de 1950 e assim por diante nas décadas seguintes. 

A sua fase baiana é marcada por uma estética que interpenetrando um avanço abstracionista redefiniu a percepção figurativa em linhas e contornos em que primeiramente a mescla entre um expressionismo e cubismo dão notas formais a obra, numa expressividade complexificada pelos temas sociais e onde o lirismo é marcado por uma subjetividade sempre em suspensão pela amálgama de cores e contornos difusos e em rearranjo constante no jogo entre a figura e seu toante potencial de abstração.

Na falta momentânea das melhores palavras para falar do artista, entrego o direito a quem o usou com justiça, entre eles poetas como Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade.

***

Jenner Augusto, Artista Pintor

Trouxeste de Sergipe
A contida paixão, a ascese, a fome, o fulcro
Da alma nativa, a agreste crispação
Da mata branca da caatinga, a alta tensão
Da palha de onde os pássaros
Se picam ao latir dos estampidos
De uma nova vingança, os descaminhos
Da vingança, os paroxismos
Da herança, as consoantes da palavra honra
O fulgor azul das lâminas o grito
Vermelho dos estupros, o olho injetado e morto dos coágulos.


Reassumiste Cézanne com pincel molhado
Na polpa dourada das mangas
E com o amarelo adstringente dos cajus
Resumiste o cubismo de taipa
Do casario a duas águas dos velhos povoados
Do teu Nordeste e da tua infância, em piedosas cores frias
Com que amenizá-los da canícula.


Súbito vomitaste Azul nos pântanos podres
Dos Alagados, recriando singapuras
De lixo, erguendo hong-kongs de palafita
Por entre o mastro dos saveiros, fazendo longes...


Nos amplos espaços do Recôncavo
Reafirmaste a luz e a cor em abstrações
Precisas, perdido de violeta paixão por crepúsculo
E auroras, dando vez ao jaguar que mora em ti
E a tudo espreita através do oco das órbitas
De caminhar entre nuvens, fulvo e elétrico
Transformando sons em cores
Na rigorosa pauta do infinito.

Para mim, quando o vi (quadro soberbo!)
Pintaste Peteleca (sem sabê-lo...)
A jovem e pequenina puta negra
Que aos estudantes sempre da primeiro
Não só porque é por eles adorada
Como porque em geral não têm dinheiro
E que nas noites de Salvador
Vive alegre, volátil e sem medo
E que, se bem notardes, quando passa
Tem um aro de luz sobre os cabelos.

Meu irmão Jenner Augusto
Pintor dos que mais sabem e mais aprendem
Cheio de inexprimível piedade
Pelo homem, esse bicho tão pequeno,
Pinta-me uma cidade
Onde se viva em paz, se sofra menos
Uma branca cidade
Sempre crepuscular e em tons serenos
Onde eu possa iludir-me
Sobre o amor, sobre a dor e sobre o tempo
E morrer me esvaindo
No doce balbucio das estrelas.


VINICIUS DE MORAIS





"Alagados"

Casebres à flor d´água
Balançam
No silêncio
No sonho de viver
O sonho de morrer.

Jenner Augusto sob o céu de chumbo
Sob o céu violeta
Lê o horóscopo das criaturas
Que nos alagados
Morrem sem viver.


CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
***
Os primeiros Habitantes de Sergipe, 1961.

Usina da Preguiça, s.d.
São Félix, 1977 

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